quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Profissionais da área desconhecem lei de saúde mental



Mariana Soares
Agência USP


A Lei 10.216/2001 garante vários direitos ao pacientes com transtornos mentais, como a participação de sua família no tratamento e da proteção contra qualquer forma de abuso. No entanto, os profissionais de saúde que atendem esses pacientes desconhecem a lei, mesmo que atuem na área há pouco tempo. É o que mostra estudo defendido na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP.

A advogada Emanuele Seicenti de Brito pretendia identificar a compreensão dos profissionais de saúde sobre os direitos do paciente de saúde mental. Para isso, entrevistou 33 profissionais de um hospital psiquiátrico considerado de grande porte (abrange 101 municípios) no município de São José do Rio Preto. Foram entrevistados auxiliares de enfermagem, técnicos de enfermagem, enfermeiros, médicos, psicólogos, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais, somando 33 profissionais ao todo. Segundo ela, a lei redirecionou o tratamento dado aos pacientes com transtorno mental, de modo a garantir os seus direitos. Emanuele observou que 63,64% dos profissionais têm tempo de atuação na área entre um mês e cinco anos, enquanto a lei já tem mais de uma década. Mas mesmo assim, eles não tiveram contato com essa determinação, nem mesmo enquanto estavam estudando.


Na pesquisa O Direito Humano à Saúde Mental: compreensão dos profissionais da área, orientada pela professora Carla Aparecida Arena Ventura, a advogada observou que a participação da família e da comunidade no tratamento, embora garantidas por lei, não acontecem. “A participação da família é muito pequena, há até casos de abandono, e como o hospital é fechado, a participação da comunidade também se restringe”, diz. Segundo ela, os três tipos de internação possíveis (voluntária, involuntária e compulsória) também não são bem conhecidos por quem trabalha no hospital. No estudo, ela verificou que os funcionários acreditam que não há internação involuntária, sendo que ela é a que mais acontece. Para os profissionais, a internação involuntária é o que na verdade é a compulsória, ou seja, uma internação determinada pela Justiça. Eles também pensam que em uma internação voluntária o paciente precisa da autorização de sua família para poder entrar no hospital. E embora sejam feitas várias avaliações para verificar se é um caso para internação, não é necessária nenhuma autorização além da dele próprio.

Ministério Público
A lei 10.216/2001 também determina que qualquer internação involuntária e todo registro de alta de um paciente devem ser informados ao Ministério Público Estadual em até 72 horas. No entanto, a comunicação entre o hospital e o MP não existe e os funcionários sequer sabiam de sua obrigatoriedade. Para a pesquisadora, essa interação é fundamental, pois o Ministério Público foi inserido na situação para que tivesse uma função reguladora e para verificar se os direitos dos internos estão sendo cumpridos. “E quando a lei passa a incluir o Ministério Público, ela quer não só garantir o direito dos pacientes, como deixá-los cientes desses direitos”, diz Emanuele.

Se os profissionais de saúde não sabiam da necessidade de comunicar as ações ao Ministério Público, isso não significou que o órgão fosse neutro para eles. Os profissionais reclamavam que a justiça determinava a internação de pacientes sem saber se o hospital tinha condições de recebê-los.

Direitos e preconceito
De um modo geral, os entrevistados mostraram pouco conhecimento sobre os direitos do paciente. Segundo a pesquisadora, quando perguntados sobre quais direitos eles acreditavam ter o paciente com transtornos mentais, os funcionários responderam igualdade de direitos, direito à informação, à visita, cuidado humanizado e o direito de ir e vir (embora se referissem ao direito de ir e vir dentro do próprio hospital). Na realidade, os direitos também incluem a garantia de sigilo nas informações, o livre acesso aos meios de comunicação, o direito ao tratamento em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis, entre outros.

Outro aspecto levantado pelo estudo foi o preconceito com o paciente. Segundo Emanuele, a comunidade de um modo geral tem muito preconceito com o paciente e com o hospital psiquiátrico, o que dificulta muito a reinserção dos internos na sociedade. Mas a advogada conta que também encontrou um certo preconceito por parte dos profissionais. “Muitas vezes eles usavam termos que são errôneos e pejorativos”, diz ela.

O que a autora da pesquisa enfatiza, no entanto, é que nos últimos anos aconteceram muitas mudanças positivas. Segundo ela, embora os funcionários não saibam dos direitos do paciente, eles têm vontade de aprender e de mudar a situação. “Não adianta somente termos uma lei que garanta os direitos dos pacientes com transtornos mentais, temos também que fazer com que os profissionais de saúde, que são os mais próximos a eles, saibam dessa lei, para que ela seja executada com sucesso. É necessário trazer a reflexão para todos”.




Saúde mental não tem idade

Ilustração: Renan AlvesFicar triste, brigar com os pais, ter um certo medo do escuro, não querer ir pra escola um dia, se sentir irritado ou desatento de vez em quando é normal. Essas coisas acontecem com todo mundo, e podem ter diversos motivos: uma nota baixa, a derrota do seu time, uma noite mal dormida, um amor não correspondido... Saber lidar com esses sentimentos e superá-los é importante e até mesmo saudável: faz parte do processo de amadurecimento de todos nós.

Mas em alguns casos o problema não passa, e começa a ter impactos negativos na vida familiar, escolar e social da criança ou adolescente, afetando seu desenvolvimento. Muitas vezes, os adultos não dão bola, acham que depressão ou qualquer outro tipo de problema psiquiátrico é coisa de gente mais velha. Mas não é bem assim. Segundo Rossano Cabral Lima, psiquiatra infanto-juvenil e doutor em Saúde Coletiva pela UERJ, de 10 a 20% das crianças e adolescentes sofrem com algum tipo de transtorno psiquiátrico. 
Na infância, os mais comuns são os transtornos emocionais ou internalizantes (quadros fóbico-ansiosos e depressivos) e os transtornos disruptivos ou externalizantes (hiperatividade e transtornos de conduta). Há também os quadros autistas, que são graves, embora menos comuns.
Entre os adolescentes, há um aumento nos quadros depressivos, além dos problemas envolvendo uso de álcool e outras drogas, e dos transtornos alimentares (anorexia e bulimia). É nessa época que surgem situações mais graves, embora menos frequentes, como a esquizofrenia e os transtornos bipolares do humor.
Mistérios da mente à parte, a presença de transtorno mental na mãe, condições socioeconômicas desfavoráveis, morar em comunidades perigosas, ambiente doméstico violento, punições físicas às crianças e dificuldades no ambiente escolar são fatores que contribuem para o desenvolvimento de problemas psiquiátricos infanto-juvenis.
Detectando o problema
Como praticamente todos os tipos de transtornos possuem formas leves, muitas vezes é difícil identificar a diferença entre o normal e o problemático. “Os pais devem estar atentos, manter um canal de comunicação aberto com a criança ou adolescente e conversar regularmente com os professores, para avaliar se a situação detectada em casa também está interferindo no desempenho escolar”, recomendou o psiquiatra.
Quando percebem que algo vai errado com a criança, mesmo que ainda não existam impactos negativos muito evidentes, os pais já podem procurar um especialista, geralmente um psiquiatra ou psicólogo. “A intervenção precoce pode aliviar o problema em uma fase de menor gravidade, melhorando o prognóstico. Além disso, nessas fases iniciais, muitas vezes o atendimento e orientação dos pais pode ser suficiente para que o problema seja superado”, orientou Rossano. Mas ele também faz um alerta: “o risco de levar a criança a um psiquiatra quando não há uma necessidade clara disso é o de 'medicalizar' a situação, ou seja, privilegiar a abordagem médica em detrimento das demais abordagens, incluindo a prescrição apressada e desnecessária de remédios”.
Em relação à saúde mental, a noção de cura não é muito apropriada. Para isso, seria preciso conhecer todos os fatores envolvidos no problema. E entender a cabeça dos outros não é mesmo fácil. Mas há tratamentos para todos os casos, que conseguem atenuar o mal-estar e favorecer um desenvolvimento mais saudável.
– Os tratamentos envolvem o manejo psicológico da criança ou adolescente, o atendimento dos pais ou outros responsáveis, o uso de medicamentos e intervenções psicossociais, como por exemplo o encaminhamento para escolas especiais. O ideal é que essas estratégias sejam articuladas umas com as outras, e que o tratamento envolva diferentes profissionais – psicólogos, médicos psiquiatras, assistentes sociais, etc. – explicou Rossano.

Saiba mais sobre os principais transtornos psiquiátricos que mexem com a cabeça de crianças e adolescentes: Tipos de transtornos psiquiátricos
Consultoria: Rossano Cabral Lima, psiquiatra infanto-juvenil, doutor em saúde coletiva (IMS/UERJ), professor visitante do NUPPSAM/IPUB/UFRJ.

Nenhum comentário:

Postar um comentário